Trabalho: Escolhas Etimológicas

Há quase um século, o pensador e economista liberal John Maynard Keynes escreveu um ensaio chamado “Cartas a Nossos Netos”, no qual ele previa que, no mundo ocidental, em 100 anos, o mundo estaria oito vezes mais próspero. Seja lá o que próspero significasse para ele – vasto debate ideológico que não quero abrir – o fato é que, em vários indicadores, ele viu corretamente. Mas a controvérsia entre pensadores do mundo do trabalho não ficou nisso, mas sim no questionamento que Keynes fez depois. Ele se perguntou o que as pessoas fariam de seu tempo se elas não precisassem mais trabalhar (já que esse mundo mais próspero seria autosuficiente). Ele se perguntou também se, sem trabalho, as pessoas não seriam muito infelizes e sugeriu que, em 2030, talvez fosse recomendado que as pessoas trabalhassem 15 horas por semana.

Polêmico, e antes que haja um levante de escudos, vamos aprofundar o aspecto mais filosófico.

Para que serve o trabalho? Qual o valor do trabalho? O trabalho é fundador da nossa sociedade ou um mal necessário? Temos que trabalhar para ganhar a vida ou trabalhar para fazer a vida?

Nessas horas, sempre é revelador pensar na etimologia das palavras. E ver que, dela, pode-se construir teses epistemológicas ou simplesmente refletir sobre o significado de trabalhar em nossas vidas.

Em grego, trabalho é “Ergon”; em inglês, “Work”; em alemão, “Beruf”; em português, “Trabalho”. Quatro palavras com denotações similares, mas conotações distintas.

Ergon tem a mesma etimologia que “Energia”; portanto, trabalho, em grego, é aquilo sobre o que dispendemos energia.

“Work” tem como raiz a ideia de direção e orientação. Trabalho, em inglês, é para onde vamos, para onde dirigimos a nossa vida.

Já “Beruf” vem de “Chamado”, ser chamado. Para os alemães, trabalho é vocação.

Finalmente, “Trabalho”, em português, tem duas possíveis origens etimológicas. A primeira, mais comumente usada, é a origem latina “Tripalium”, que era um instrumento de tortura. Trabalho, portanto, é algo que faz sofrer.

Do ponto de vista etimológico, pelo menos, diferentes línguas imprimem visões distintas do sentido do trabalho. Para muitas delas, trabalho é emancipação, realização, sentido, dom de si.

Para outras, trabalho é sofrimento.

Essa visão pode explicar, em parte, como uma sociedade foi construída. No nosso caso, pode explicar muitas coisas: uma história cravejada de injustiças e violências extremas, colonização com a força das baionetas, escravidão, exploração e racismo estrutural que perdura, subjacentes e por vezes aparente.

Explica por que muitos – a maioria – têm poucas escolhas a não ser trabalhar naquilo que dá e não naquilo que se quer. É muito difícil emergir das barreiras sociais, econômicas, identitárias, e se o trabalho é um sofrimento, então, parece lógico – talvez até justo – aceitar que quanto menos sofrimento, quanto menos mal, quanto menos trabalho, melhor.

No entanto, uma sociedade também se constrói numa perspectiva de evolução. Num sonho. Num ideário. Num desejo de escapar da reprodução das lógicas do passado. Para além das lutas políticas e do engajamento em causas transformadoras profundas ou pragmáticas, uma mudança de perspectiva individual pode colaborar para mudar vidas. E por que não várias, muitas, o mundo?

Existe uma outra origem etimológica para a palavra trabalho. “Trabalho” em occitaniano vem de “Trab”, que é uma viga muito sólida, feita para construir, para sustentar, estruturar. Portanto, o trabalho, em português (mas também em espanhol ou francês), é estruturante de uma pessoa e também de uma sociedade.

Certa vez, compramos um colchão em uma loja especializada, nos Estados Unidos. A loja era enorme, com muitas e muitas opções. Uma senhora, vendedora, nos recebeu e fez perguntas sobre modo de vida, necessidades, orçamento, e apresentou muitas alternativas com uma competência quase carinhosa. Ao final, nos interessamos pela vida daquela senhora tão simpática. Ela trabalhava todos os dias – sábados inclusive – com poucas férias e folgas, e ela terminou dizendo: “O trabalho me sustenta. Não me pergunto por que trabalho tanto. Às vezes me pergunto o que eu faria se não trabalhasse tanto. Trabalhar para mim é me dar e receber”.

Ela disse “me dar”.

Essa perspectiva muda uma vida, várias, muitas, o mundo.

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